sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Calabar: a comunidade da resistência

Foi do risco de sumir do mapa para dar lugar a espigões de concreto e apartamentos de luxo, que a comunidade do Calabar se organizou para sobreviver ao domínio do mercado imobiliário nas redondezas. E graças a muita luta dos moradores, ainda está lá, na margem da Avenida Centenário. Mas a luta já não é a mesma. Muitas casas e terrenos já foram regularizados pela prefeitura e, pensar a cidade sem a presença do Calabar, não faz muito sentido. Com cerca de 22 mil habitantes, ela é uma das únicas remanescentes na região. Comunidades como Curva Grande e Mirante foram extintas, deixando o Calabar cercado por bairros como Ondina, Barra e Federação. A ameaça deixou de ser o risco de cair na inexistência e passou a ser a presença de traficantes de drogas, um dos segmentos responsáveis pela violência no local. Mas a polícia também é apontada pela comunidade como violenta, por cometer excessos contra cidadãos idôneos, em ações de busca aos bandidos. Resistentes - A luta para persistir esteve no ápice nos anos 80, mas até hoje jovens do local carregam o lema de que “a essência do ser é existir, a nossa é persistir no Calabar”. São os que dão continuação a uma tentativa parcialmente frustrada de tornar a comunidade autogestionária. Eles fazem parte do grupo Jovens em Ação e promovem atividades culturais. A principal delas, é a manutenção de uma biblioteca comunitária com acervo de 6.300 livros e assinaturas de revista e jornal. “Antes de morar aqui, não via com bons olhos o bairro, por causa da violência mostrada pela mídia. Mas quando passei a morar aqui, percebi que existia muito trabalho social e agora não quero sair”, diz Igor Sena, 22. Um dos coordenadores da biblioteca, ele é um dos responsáveis por multiplicar o hábito da leitura na comunidade e sai com uma mochila nas costas, cheia de livros, para fazer empréstimos delivery. O sistema vai no mesmo sentido da Escola Aberta do Calabar, criada há 20 anos, pelos próprios moradores, e até hoje em funcionamento independente do poder público. A creche comunitária passou às mãos da prefeitura, mas o prédio é o mesmo que a comunidade construiu. O engenheiro sanitarista, Manoel Roberto dos Santos, 40, auto intitulado “menino do Calabar”, reclama da falta de atenção dada à comunidade. “Sofremos discriminação da polícia, que destrata o morador, e do poder público”. Outra reclamação do engenheiro é a falta de espaços de lazer. Em frente a um bar, ele cita: “Aqui é um espaço semi-público, porque não temos área de lazer, além de uma quadra de esporte bastante disputada”. O professor de comunicação da Ufba, Fernando Conceição, foi um dos ícones da resistência no local e levou o lado positivo do Calabar à mídia. Hoje ele atribui à conjuntura de abertura política ocorrida no Brasil nos anos 80 como o principal fator de esfacelamento do movimento social local. “Houve um retrocesso no movimento, porque, depois da abertura política, as lideranças passaram a fazer parte do Estado”, avalia.

Fonte: http://atarde.uol.com.br/noticias/1249038

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